POR QUE É QUE NÃO SE JUNTA EM UMA COISA SÓ?
O presente artigo visa analisar, brevemente, os dois conceitos e discutir a necessidade de se ter ainda o conceito de Letramento.
Já superamos a questão “Alfabetização ou Letramento”, por entender que são dois conceitos indissociáveis na prática pedagógica. Agora, pergunto, se ao invés de escrever Alfabetização e Letramento, por que é que não se junta em uma coisa só? Antes de entrar nessa questão, precisamos compreender, dentro da perspectiva história e social, as mudanças dos conceitos de Alfabetização e a necessidade da “criação” de um novo conceito, chamado Letramento.
Ao longo da história podemos encontrar diferentes perspectivas da Alfabetização. Para entendê-los melhor, Maria Rosário Mortatti (2006), em um texto sobre a história dos métodos de alfabetização no Brasil, sintetiza em quatro momentos importantes.
O primeiro momento, do final do Império até o início da década de 1890, o ensino da língua tratado como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem linguística. Para o ensino da língua, utilizava-se métodos sintéticos (da parte para o todo), “dever-se-ia, assim, ensinar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes ( método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade” (p.5).
O segundo momento, a partir de 1890 até meados de 1920, mantém a ideia do ensino da língua como uma questão de ordem didática subordinada às questões psicológicas da criança. Marca a consolidação dos métodos analíticos (do todo para as partes), com ênfase no ensino inicial da leitura, já que a escrita era entendida como uma questão de caligrafia e de tipo de letra a ser usada, mediante ao treino como ditado e cópia.
No terceiro momento, de 1920 até final dos anos 70, a partir das resistências de alguns professores aos métodos analíticos, buscam conciliar os dois tipos de métodos de ensino da leitura e escrita (analítico e sintético), denominados de métodos mistos.
No quarto momento, a partir dos anos 80, esse conceito de Alfabetização passou a ser questionada, como podemos evidenciar na fala da Magda Soares (1985 apud Kramer, 1995) quando destaca a necessidade de uma teoria que apresente um conceito de Alfabetização amplo para incluir a abordagem mecânica de ler e escrever, a língua escrita como expressão, com especificidades e autonomia da língua oral, e os determinantes sociais da função e fins de aprendizagem da leitura e escrita.
No mesmo período, a perspectiva psicogênese da aprendizagem da língua escrita, disseminada principalmente pela Emília Ferreiro, sob a nomeação de “Construtivismo”, trouxe uma mudança importante para a área da Alfabetização. Passando a identificar e explicar o processo que nunca acaba através da construção, pela criança, da língua escrita e ênfase na importância de sua interação com práticas de leitura e de escrita reais (Soares, 2004).
Essa perspectiva rompe com a ideia da Alfabetização como ensino direto, sistemático e mecânico, trazendo um conceito amplo preocupado com quem aprende e o como aprende. Do ponto de vista do Construtivismo, a escrita infantil segue uma regularidade, através de diversos meios culturais, de diversas situações educativas e de diversas línguas. Podendo-se distinguir as hipóteses de escritas, nas quais cabem múltiplas subdivisões: distinção entre o modo de representação icônico e não-icônico, as variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo e, a fonetização da escrita (Ferreiro, 2011).
Coincidentemente, em meados 1980, se dá a “invenção” do Letramento no Brasil. O Letramento, de acordo com Magda Soares (2004), é um conceito novo no campo da educação que surgiu como necessidade de nomear comportamentos e práticas de leitura e escrita que ultrapassem o ensino do sistema alfabético e ortográfico, revelando a insuficiência e a ampliação de apenas alfabetizar a criança ou o adulto.
No território brasileiro, a invenção do Letramento aconteceu diferente dos demais países, pois enquanto nos paises, como França e Estados Unidos, a discussão do Letramento – illettrisme, literacy – se fez de forma independente da relação com a discussão da Alfabetização. Já entre nós, os conceitos ficam enraizados. O que para, Magda Soares, “tem sempre levado, apesar da diferenciação sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos” (2003, p.9).
Para Emilia Ferreiro (s/ano), Letramento em sua origem significa Alfabetização e muito mais. O significado da palavra literacy é expertise, é ter conhecimento, entretanto a melhor definição para Letramento, segundo a autora, seria a cultura escrita. A escrita, aqui concebida como representação, sua aprendizagem se converte na apropriação da língua viva, cheia de significantes, significados e signos linguísticos (Ferreiro, 2011).
Alfabetização e Letramento: por que é que não se junta em uma coisa só?
Para Magda Soares (2004), no plano conceitual talvez a diferença entre Alfabetização e Letramento não fosse necessária, mas no plano pedagógico a distinção torna-se conveniente, porém os dois processos sejam reconhecidos como indissociáveis e interdependentes. Segundo a autora mineira o ideal é alfabetizar letrando ou letra alfabetizando,
“a criança alfabetiza-se, isto é, constrói seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita,, em situações de letramento, isto é, no contexto de e por meio de interação com o material escrito real, e não artificialmente construído, e de sua participação em práticas sociais de leitura e escrita.” (2004, p.6)
Já para Emilia Ferreiro, a coexistência dos termos é que não dá. “Se houvesse uma votação e ficasse decidido que preferimos usar letramento em vez de alfabetização, tudo bem” (p.4).
“Há algum tempo, descobriram no Brasil que se podia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência fonológica” (Ferreiro, p.3)
Para aqueles que entendem a Alfabetização como domínio da mecânica da leitura e escrita, o Letramento aparece como uma ampliação do conceito. Mas para aqueles que concebem Alfabetização como a entrada no mundo da leitura e escrita, como um processo de compreensão e expressão de significado, o Letramento aparece para quê?
A concepção de Alfabetização de Paulo Freire – como a entrada no mundo da leitura e escrita – é, de certa forma, uma busca de superar a coexistência da Alfabetização e Letramento. Não precisamos ter dois conceitos que dizem a mesma coisa nem muito menos acabar com o conceito de Letramento, é preciso apenas entender que para o domínio pleno da leitura e escrita é preciso compreender que as palavras significam, mas também é preciso haver a aquisição e compreensão do código alfabético de escrita e leitura.
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